Trindade, o Batismo e o Sinal da Cruz: em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,16-20) | Reflexão de Frei Jacir de Freitas Faria


Frei Jacir de Freitas Faria, OFM[1]

O evangelho sobre o qual vamos refletir é Mt 28,16-20, cuja temática é a Trindade. Vamos procurar elucidar o sentido da Trindade, sua história de fé, a relação com o batismo e o sinal da cruz. Desde pequeno, o cristão aprende a fazer o sinal da cruz sobre a fronte. Esse sinal é o modo utilizado por nós para pedir as bênçãos de Deus. Ele está associado à Trindade e ao pedido de Jesus para os apóstolos de batizar em nome da Trindade.

Segundo a tradição, o Imperador Constantino (272-337E.C.), após sua mãe Helena ter encontrado, em Jerusalém, uma cruz que foi identificada com a cruz da crucifixão de Jesus, viu uma cruz no céu e uma voz que lhe dizia: “Com essa cruz vencerás”. Os cristãos passaram a ser chamados de os “Devotos da Cruz”.

Os cristãos orientais fazem o sinal da cruz de forma diferente dos católicos. Eles fecham a mãos, unem os dedos polegar, indicador e médio para indicar a união da Trindade, bem como o anular e o mínimo na palma da mão para simbolizar as naturezas humana e divina de Jesus.

Os católicos fazem o sinal da cruz com a mão aberta para simbolizar as cinco chagas de Jesus e a criação da natureza. Outro detalhe importante, em ambas as tradições, a testa simboliza o céu e a sabedoria, o peito o amor infinito de Deus, já os ombros o poder de Deus e o Espírito Santo. Os católicos traçam a cruz nos ombros da esquerda para a direita e os ortodoxos o contrário. Duas razões motivam essa diferença: os ortodoxos, ao tocar o ombro direito, professam a fé em Jesus, pois como atesta a fé nos Credo Apostólico e Niceno-Constantinopolitano, Jesus está sentado à direita do Pai, isto é, ele tem poder. Ouvi, certa vez, na Grécia, que o lado direito representa o poder de Constantinopla, quando da divisão (Cisma) com Roma, em 1054, já que Roma, na cartografia, está à esquerda. Portanto, primeiro o poder de Constantinopla. Outra motivação é que o fiel espelha o sinal feito pelo sacerdote, no altar, da esquerda para a direita.

Após os esclarecimentos sobre o sinal cruz, vejamos o sentido do substantivo Trindade e sua relação com o número três. Trindade vem do latim (trinitas) e quer dizer tríade ou três. A tríplice menção do Pai, do Filho e do Espírito Santo e sua relação com o batismo, conforme Mt 28,16-20, fez da Trindade a marca de todo cristão batizado. Trata-se de um só Deus que se revela em três formas distintas. Quem usou pela primeira vez o termo Trindade foi Tertuliano (160-220 E.C.)

Em tudo está o três. Deus deixou a sua marca na criação com o número três. Nós somos formados de corpo, espírito e mente; a natureza é formada pelos reinos animal, vegetal e mineral; o átomo é dividido em prótons, elétrons e nêutrons; no cristianismo, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo; o hinduísmo tem três divindades: Brahma, Shiva e Vishnu; no judaísmo, o três representa o divino: céu, firmamento e Xeol; também no judaísmo, o fazer três vezes uma coisa significa que ela é durável, firme em toda a vida. Por isso, o judeu teria que ir três vezes ao Templo de Jerusalém durante o ano, nas festas das Tendas, da Páscoa e de Pentecostes. Ah! Outro detalhe, a Bíblia dos judeus, o Primeiro Testamento, está dividido em três partes (Torá, Profetas e Escritos); três são os amores: o do desejo erótico, o de filho e o fraterno; Pedro negou Jesus três vezes; o diabo tentou Jesus três vezes; três são os reis magos; a sagrada família é formada por José, Maria e Jesus; com 33 anos, Jesus morreu às três horas da tarde e ressuscitou no terceiro dia; o credo de fé judaico convoca o fiel a amar a Deus com o coração, a alma e o dinheiro (Dt 6,4-9); Jesus ensinou que a religião deve ser vivida a partir das práticas da oração, do fazer esmola e do jejum. Na missa, três vezes é cantado: “Senhor, tem de piedade de nós”, e “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Três horas da manhã é o momento em que as nossas energias estão em profunda sintonia com o universo. A nossa vida é constituída de passado, presente e futuro, assim como de princípio, meio e fim; nascemos, vivemos e morremos.[2]

Poderíamos continuar citando inúmeros outros modos de usar o três na Bíblia, mas já basta para dizer como esse modo de pensar judaico propiciou a fé cristã na Trindade.

Difícil para entender? Pode ser. Saiba que, para a Igreja, também não foi fácil chegar ao dogma, a fé na Trindade. Foram séculos de discussão. A declaração trinitária ocorreu no Concílio de Niceia, em 325 E.C., e foi reafirmada no Concílio de Constantinopla, em maio e junho de 381, pelos bispos. Ainda nos séculos adiante, muitas heresias, controvérsias trinitárias, foram rechaçadas pela Igreja.

A relação trinitária é a da unidade na diversidade. Para entender isso, permita-me outro exemplo. A comparação da Trindade com a água.[3] Conforme sua temperatura, podemos encontrar a água em três estados: líquido, sólido(gelo) e gasoso (vapor). Trata-se, no entanto, da mesma água em formas diferentes. O líquido é o Pai, que é a base de tudo, que está em toda parte, com a sua manifestação plena. O gelo é a manifestação de Deus-Pai no Filho, no Jesus histórico. O vapor, a brisa é a manifestação de Deus-Pai no Espírito Santo que nos dá o vigor, o frescor da vida, embalado pela presença do Pai e do Filho. Em qualquer estado, a água sempre será água. Viu, agora, como assim é fácil entender esse mistério de fé?

Uma última consideração. Se a Trindade é, essencialmente, a unidade na diversidade das pessoas, isto é, um é o mesmo Deus que nos desinstala e nos coloca sempre em ação, haveremos de reconhecer que vivemos num mundo plural, na diversidade de dons, de opiniões, e de modos de ver o mundo na Igreja, na sociedade e na política. O grande desafio do ser trinitário é respeitar as diferenças. O princípio trinitário é o amor que nos une nas diferenças.

Por fim, o batismo é a vivência da fé na comunidade, pela ação do Espírito Santo que nos impulsiona para a missão. A partir da ressurreição de Jesus, voltamos para a casa do Pai, de onde viemos. Na eternidade do tempo, somos amor, somos trinitários.


Notas

[1] Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de exegese bíblica. Membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de doze livros e coautor de quatorze. Os murais do Santuário de Santo Antônio, de Divinópolis (MG) na perspectiva do Três na Trindade e na Crucifixão de Jesus (Pronvici2024)). Caso se interesse por aulas sobre Bíblia e apócrifos, inscreva-se no nosso canal no YouTube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos ou https://www.youtube.com/c/FreiJacirdeFreitasFariaB%C3%ADbliaAp%C3%B3crifos

[2] FARIA, Jacir de Freitas, Murais do Santuário Santo Antônio, de Divinópolis (MG), no simbolismo do três na trindade e na crucifixão de Jesus: interpretação bíblica, teológica, catequética e franciscana das pinturas de Frei Humberto Randag. Belo Horizonte: Província Santa Cruz, 2024, p.23.

[3] Paróquia São Sebastião, Diocese de Teresina. Santíssima Trindade. Disponível em: https://semeandocatequese.wordpress.com/2016/10/11/santissima-trindade-dinamica-2/


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Frei Jacir de Freitas Faria: Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze.


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